Haveria saída para a crise brasileira? (*)

Por sugestão de um grande amigo, acabei de ler o post “A respeito da economia em 2016. Por que o desastre? E 2017?”, publicado por Paulo Portinho em seu blog (ver aqui). A análise é até bem escrita, mas baseia-se apenas numa versão distorcida e tendenciosa dos fatos. Assim, aproveito esse espaço para delinear algumas observações acerca do artigo, e para mostrar que, ao meu ver, haveria sim uma saída para a crise econômica brasileira, mas que teimosamente insistimos em não (querer) ver.

Em primeiro lugar, é preciso desmontar algumas falácias presentes no texto. Dentre elas, destaco inicialmente a tentativa de jogar em um mesmo balaio um eventual “calote da dívida interna” e o papel do investimento público na economia de um país.

No que tange à primeira, sinceramente, não conheço nenhuma pessoa séria que se preste a defendê-la. Há sim a necessidade de uma auditoria da dívida (ver aqui), mas isso não representa um calote. Afinal, a maioria de nós confere a conta do restaurante e a fatura do cartão de crédito, mas isso não significa, de maneira alguma, que estejamos nos negando a pagá-las, não é verdade? Simplesmente gostamos de saber pelo que estamos pagando.

Na verdade, o que mais me incomodou no texto foi o modo simplista como o autor tratou o o papel do investimento público na economia, ao que ele se refere como sendo uma “insensatez” de “pessoas de esquerda” e “anti-capitalistas” (sic), ou ainda como algo que faça parte de um “sonho socialista brasileiro”.

Talvez o autor desconheça, mas a “insensatez” à qual ele se refere constitui a base da Teoria Geral [1] do economista britânico John Maynard Keynes, a qual foi essencial tanto para a recuperação da economia norte-americana após a grande depressão, mediante o New Deal do presidente Franklin Delano Roosevelt, quanto para a consolidação dos estados de bem-estar social na Europa. Ou seja, não se trata de um delírio de socialistas ingênuos, mas sim da essência da verdadeira social-democracia.

Ou talvez o autor acredite que essas soluções, que segundo ele não funcionam (desconheço em quais evidências ele se baseie para fazer tal afirmação) sejam ultrapassadas ou démodé. Neste caso, recomendo fortemente a leitura de dois ganhadores de Prêmio Nobel de Economia: Joseph Stiglitz (Nobel de Economia em 2001) e Paul Krugman (Nobel de Economia em 2008).

Vejamos, por exemplo, o que Paul Krugman tem a dizer em seu livro de 2012 [2]:

“O que realmente precisamos para sair da depressão atual é outra explosão de despesa pública. É assim tão simples? Seria realmente assim tão fácil? Basicamente, sim.”

O que Krugman sugere é um retorno às políticas anticíclicas do New Deal, ou seja, aumento do investimento público, visando a geração de emprego e o reaquecimento da economia. Basicamente, a receita é simples: o investimento em infraestrutura, por exemplo, cria novos empregos (mão-de-obra). Com salário no bolso, o trabalhador consome, o que turbina o comércio e a indústria. Esse círculo virtuoso gera um aumento de receitas, mediante a arredação de impostos, o que pemite maior investimento público, e assim por diante.

Para ilustrar o sucesso das políticas anticíclicas e, por sua vez, o fracasso das medidas de austeridade sugeridas por Paulo Portinho e demais seguidores da cartilha neoliberal, tomemos dois exemplos europeus: Alemanha e Grécia.

Como podemos observar no gráfico a seguir (dados obtidos diretamente do site do FMI), após a crise de 2008, houve um aumento significativo dos gastos públicos na Alemanha de Angela Merkel, visando proteger o país da recessão que batia à porta:

gastos_alemanha

Vejamos agora o que ocorre simultaneamente com a taxa de desemprego do país (dados obtidos diretamente do site do FMI):

desemprego_alemanha

Graças à adoção de contínua de políticas anticíclicas, a Alemanha representa hoje o motor da União Européia, bem como seu maior PIB.

Vejamos agora como se saiu a Grécia ao aderir às tão alardeadas medidas de austeridade. Seguindo a cartilha neoliberal, a Grécia “optou” por implementar uma redução drástica em seus gastos públicos a partir a partir de 2010, como mostra o gráfico a seguir (dados obtidos diretamente do site do FMI):

gastos_grecia

Como já era de se esperar por todos aqueles que leram a Teoria Geral [1] de Keynes, essa redução de gastos veio acompanhada de um brutal e cruel aumento da taxa de desemprego (dados obtidos diretamente do site do FMI):

desemprego_grecia

Como também era de se esperar o PIB do país desabou (ver gráfico a seguir – dados obtidos diretamente do site do FMI), colocando, assim, a Grécia na situação calamitosa na qual se encontra atualmente.pib_per_capta_grecia

Citei apenas dois exemplos, mas muitos outros poderiam ser adotados, o que comprova o fracasso das medidas de austeridade defendidas por Paulo Portinho. É essa a receita que ele tem a nos oferecer???

Para entender melhor o que a austeridade fiscal está causando aos países que resolveram adotá-la, sugiro a leitura do último livro de Joseph Stiglitz: “The Euro: How a Common Currency Threatens the Future of Europe” [3]. Nele, Stiglitz (que já foi Economista-chefe do Banco Mundial e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001) mostra por meio de uma análise clara e diversos exemplos como as medidas de austeridade são incapazes de gerar prosperidade, e podem acabar transformando uma leve recessão em uma verdadeira depressão.

Mas alguns podem ainda se perguntar: No meio da crise na qual nos encontramos, como fazer para turbinar o investimento em infraestrutura? Ou ainda: O gasto público pode ser aumentado de maneira indiscriminada?

Vamos então tratar primeiro da segunda pergunta. A resposta, ao meu ver, é claro que não. É óbvio que os investimentos devem ser realizados de maneira cautelosa, no intuito de evitar que a inflação saia de controle. Nesse contexto, o controle da taxa de juros se mostra como um instrumento bastante eficaz, mas não no cenário atual de recessão, onde não temos um quadro de inflação de demanda (Será que o Paulo conhece os diferentes tipos de inflação?).

No entanto, a opção adotada pelo governo Temer de congelar os gastos públicos por 20 anos, corrigindo-os apenas de acordo com a inflação, é uma enorme loucura, para não dizer algo pior (**). Por que vinculá-los à inflação e não ao orçamento??? Isso dará margens para que o sistema financeiro pressione por um aumento de impostos, tendo em vista que todo e qualquer excedente do orçamento poderá ser utilizado no serviço da dívida pública.

Em vez disso, por que não foi proposto um congelamento parcial dos gastos (ou seja, de apenas parte das rubricas, deixando livres os recursos para o investimento em infraestrutura) por apenas três, quatro ou cinco anos, sendo que acompanhado por uma redução paulatina da taxa SELIC para patamares mais aceitáveis. A atual taxa de juros na casa dos 14% é simplesmente imoral e irracional, tendo em vista a atual recessão brasileira. Obviamente, ninguém sério ousaria propor uma redução brusca da SELIC, mas ao longo de cinco anos isso seria totalmente possível.

Isso de certa forma resolveria o problema posto pela primeira pergunta (Como fazer para turbinar o investimento em infraestrutura?), e permitiria, após o termino do período de três, quatro ou cinco anos de congelamento (mediante a retomada do crescimento econômico) que os recursos congelados pudessem ser novamente ampliados.

Assim, não seria necessário “imprimir dinheiro”, como menciona Portinho em seu texto. Desde o tempo de Rui Barbosa e da crise do encilhamento que qualquer economista em plena posse de suas faculdades mentais sabe os riscos associados a esse tipo de operação. (Os EUA com seu quantitative easing são uma exceção, pois deste que chutaram o acordo de Bretton Woods para o alto e acabaram com a conversibilidade ouro- dólar, podem criar moeda artificialmente sem muita preocupação.)

Ademais, o próprio Paulo Portinho reconhece que há dinheiro para ser investido, mas que a nossa dívida pública seria um fator inibidor. Pergunto então ao sábio: Por que nossa dívida que atualmente se encontra na faixa dos 66% do PIB (Fonte: Trading Economics) seria um impecilho, mas a dívida pública do Reino Unido (89% do PIB – Fonte: Trading Economics), dos EUA (104% do PIB – Fonte: Trading Economics), ou do Japão (229% do PIB – Fonte: Trading Economics) não são??? (***)

No entanto, tenho que concordar com o autor no que diz respeito ao problema da poupança: “(…) não vivemos num capitalismo normal ou saudável. Num capitalismo normal há apelo à poupança popular (das pessoas) para o investimento”. Concordo plenamente que a atual fase do capitalismo demonstra sinais de doença. Só gostaria de complementar que esse não é um problema exclusivamente brasileiro, mas sim mundial. A atual fase do capitalismo não incentiva a poupança, mas sim o endividamento, tendo em vista que esse último é muito mais lucrativo para o sistema financeiro. Quem seria louco de poupar atualmente, mesmo na Alemanha ou no Japão, por exemplo, com a remuneração irrisória oferecida atualmente por esse tipo de investimento?

Paulo Portinho é apenas mais um entre muitos entusiastas (órfãos) do livre-mercado e da liberdade econômica irrestrita. Órfão, pois após a crise do subprime nos EUA em 2007, até os economistas da Escola de Chicago (principal chocadeira de neoliberais norteamericana) estão revendo suas posições. O curioso é que apesar de pregar a redução do papel do estado, ele parece endossar programas como o PROER, mediante o qual os bancos irresponsáveis foram salvos com dinheiro público durante o governo FHC. How convenient… Essa, na verdade, é a proposta neoliberal: Privatização dos lucros e socialização dos prejuízos.

(*) O título original deste post foi alterado por perceber que na verdade estamos indo exatamente no sentido contrário daquilo que aqui sugiro.

(**) PS (6/1/2017): O congelamento dos investimentos que foi imposto na marra pela Emenda constitucional nº 95 (chamada PEC 241 na câmara ou PEC 55 no senado antes de sua aprovação)  joga nas costas da população uma responsabilidade que não é dela. Na verdade, o défict das contas públicas não se deve aos investimentos em saúde, educação, assistência social, etc. Como destaca o Prof. Marcio Pochmann (ver aqui): “No ano de 2015, por exemplo, o déficit nas contas públicas equivaleu a 10% do PIB, embora 90% deste valor tenham sido produzidos pela conta de juros paga pelo governo.”

(***) PS (6/1/2017): O que Paulo Portinho parece (ou finge) não se dar conta é que enquanto estivermos em recessão não haverá investimento em produção. Quem vai investir no aumento da produção em um momento em que o desemprego aumenta e as vendas despencam??? Nesse cenário, e levando-se em conta a taxa SELIC em torno de 14%, as empresas vão investir em títulos da dívida pública, não em produção. E assim temos uma espiral decadente, onde menos investimento em produção gera ainda mais desemprego e por aí vai… E é justamente por isso que medidas anticílicas keynesianas se fazem tão necessárias, pois é nessa hora que o estado deve intervir (aumentando os investimentos em infraestrutura) para freiar a espiral decadente e garantir o surgimento de um círculo virtuoso: mais investimento -> mais emprego -> aumento do PIB -> mais arrecadação -> mais investimento… Infelizmente, no entanto, agora o estado está com as mãos amarradas por causa da Emenda constitucional nº 95. Parabéns (e boa sorte), Brasil!

[1] A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, John Maynard Keynes, 1936.

[2] Acabem com Esta Crise Já!, Paul Krugman, 2012

[3] The Euro: How a Common Currency Threatens the Future of Europe, Joseph Stiglitz, 2016.

Desordem e retrocesso

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Houve o tempo (2003-2011) que a nossa diplomacia alçou o Brasil ao papel de protagonista na política internacional.

Sob a batuta de Celso Amorim, o qual chegou a ser eleito pela revista Foreign Policy  o melhor ministro de relações exteriores e um dos maiores pensadores da atualidade, o país deixou pra trás os tempos de pura subserviência, e transformou-se em um global player. Para entender um pouco melhor o sucesso da política internacional conduzida por Amorim, sugiro a leitura do artigo publicado sobre ele na Foreign Policy: The world’s best foreign minister.

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Mas o que parecia ser apenas o início de uma espiral virtuosa, a qual viria a finalmente levar o Brasil ao seu destino de país do futuro, mostrou-se porém não ter fôlego suficiente para tanto.

Após um interlúdio que durou pouco mais cinco anos, no qual Antonio Patriota, Luiz Alberto Figueiredo e Mauro Vieira revezaram-se no comando, o Itamaraty não foi capaz de mostrar o mesmo brilho ou mesmo apresentar políticas bem definidas, compatíveis com a importância alcançada pelo país. Neste período, os sucessores de Amorim apenas surfaram a onda deixada por ele, colhendo sem muito sacrifício os frutos plantados pelo antecessor.

Mas eis que em maio de 2016 voltamos a ter um objetivo claro para nossas relações exteriores. Infelizmente. Ao assumir a chancelaria, José Serra deixou claro que faria o possível para colocar o país no seu devido e subserviente lugar.

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Com a sofisticação de um babuíno e a delicadeza de um mastodonte, Serra já chegou detonando as relações com nossos vizinhos sul-americanos, fechando as portas anteriormente abertas com a África, dando aulas de machismo no México, e principalmente, dando sinais claros de que o Brasil não está mais interessado na (até agora) vantajosa parceria com os demais países do BRICS.

Aliás, ele nem sabe o que é BRICS.

Mas, afinal, por que saber o que é BRICS? Nós não precisamos manter relações com Rússia, China, Índia e África do Sul, não é mesmo? Pra que? Com Serra no Itamaraty, voltamos a ocupar nosso lugar predestinado: o de quintal dos EUA e mero fornecedor de riquezas naturais para o Tio Sam.

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“Eli, Eli, lamá sabactâni?”

In dubio pro publicum

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A commedia dell’arte brasileira supera-se a cada dia. Lentamente, todas as personagens do famoso estilo italiano de teatro popular vão deixando cair suas máscaras e se revelando ao público.

Um dos primeiros a mostrar a face foi  o Brighella de Diamantino, sendo seguido, é claro, por Dottore JB, Il Capitano de Maringá, Pulcinella de BH (também conhecido como Il Procuratore Generale) e Scaramuccia (sobre este último, aliás, não se sabe ao certo se é realmente conterrâneo de Pulcinella, uma vez que sempre foi mais facilmente avistado nas baladas do RJ).

No entanto, é importante lembrar que a versão tupiniquim traz inovações. Aqui, o in dubio pro reo, um princípio fundamental que decorre da presunção da inocência, foi substituído pelo in dubio pro publicum. Ou seja, na interpretação brasileira, em casos de insuficiência de provas, o roteiro determina que se jogue pra plateia.

Foi assim no espetáculo comandado pelo Dottore JB, quando a Ministra Colombina sentenciou que não tinha prova cabal contra um certo Pierrot, mas que mesmo assim iria condená-lo porque a literatura jurídica assim permitia.

E ontem não poderia ter sido diferente. Ao declararem “não temos provas, mas temos convicção”, tanto Arlequim quanto os demais servos de Pantalone (*) deixaram mais do que claro e transparente o enredo do espetáculo burlesco que somos obrigados a assistir.

Pena que aqui no Brasil esse gênero teatral não tenha graça nenhuma…

(*) Pantalone é um dos vecchi da commedia dell’arte. Possui cavanhaque branco e só se preocupa com dinheiro. Quem descobrir quem é ele nessa versão ganha uma viagem pra Disney com direito a um selfie com o Pateta.

Obs.: Para uma descrição resumida das personagens da verdadeira commedia dell’arte, ver aqui.

Teoria do choque e do capitalismo de desastre

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Com seu estilo sóbrio e lúcido de escrever, Luis Nassif (Jornal GGN) tem, ao meu ver, se apresentado como um dos melhores analistas do cenário político/econômico atual. A série Xadrez, que vem sendo publicada regularmente desde o início da crise política brasileira, é um dos melhores instrumentos para ajudar na compreensão do que vem acontecendo atualmente no país. Um verdadeiro exemplo de bom jornalismo!

Dentro da série Xadrez, Nassif publicou ontem (12/09/2016) um dos melhores e mais esclarecedores artigos sobre a influência externa sobre o golpe (ver aqui).

Neste artigo, intitulado “Xadrez da teoria do choque e do capitalismo de desastre” e baseado na tese defendida pela jornalista canadense Naomi Klein em seu Livro “The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism“, ele sugere que a crise político-econômica brasileira constitui o cenário perfeito para a implementação do chamado capitalismo de desastre, proposto por Milton Friedman.

Neste contexto, a crise brasileira criaria uma janela de oportunidades ímpar para a implantação de medidas que permitam: o livre fluxo do capital, privatizações e desmonte das conquistas sociais. Ou seja, a crise seria o anestésico que manteria a sociedade num estado de “vivacidade interrompida”, permitindo assim a realização de um conjunto orquestrado de manobras extremanente nocivas ao país.

Porém, como todo anestésico tem seu tempo de duração, o capitalismo de desastre requer que as medidas sejam tomadas muito rapidamente (de seis a nove meses, segundo Friedman). No caso brasileiro, isso pode explicaria a velocidade espantosa com a qual os golpistas deram início aos ataques ao pré-sal, aos direitos trabalhistas, etc. Afinal, não há tempo a perder…

No entanto, especulo que estejamos apenas no primeiro momento do tal capitalismo de desatre, e que uma parte dois estaria já em gestação.

O efeito Cunha

Na madrugada de hoje (13/09/2016), consumou-se a cassação do deputado Eduardo Cunha. Acredita-se que seja apenas questão de tempo para que Moro o “convide” para ir a Curitiba, e que lá faça uma mega delação premiada, a qual envolveria deputados, senadores, ministros e até mesmo o próprio Temer.

Caso esse tsunâmi venha realmente a se concretizar, não seria esse sim o cenário perfeito para a implementação do receituário prescrito por Friedman???

Ou seja, essa devastação no cenário político não ajudaria a dar uma um fôlego extra para o capitalismo de desastre???

Acompanhemos atentos os próximos capítulos.

Feridas de guerra

Como todo mundo, sempre tive amigos idiotas. Para que fique bem claro, estou empregando a palavra idiota no seu sentido original, ou seja, alguém que só se preocupa com seu mundinho particular, e não se importa ou envolve com assuntos de ordem pública.

No entanto, apesar de considerá-los idiotas, isso nunca compromotera nossa amizade, pois julgava-os inofensivos. Ledo engano. Hoje vemos claramente como a combinação mídia + idiota = midiota pode ser explosiva e danosa para a democracia de um país.

Aliás, depois de tudo o que aconteceu (e ainda acontece) no Brasil, infelizmente não há mais a menor possibilidade de considerá-los amigos. Não há rancor. Sendo bastante sincero, não sinto ódio nem raiva, tão somente um desprezo profundo.

Apesar de idiotas, possuem é claro qualidades, as quais antes eu inclusive admirava. Hoje, no entanto, essas eventuais qualidades estão ofuscadas, por conta de uma mesquinhez social que se tornou latente. E para mim, sem admiração não há amizade sincera.

Talvez isso seja passageiro e o tempo ajude a curar as feridas. Talvez não, e isso na verdade tenha apenas servido para evidenciar os caminhos distintos que amigos de juventude podem tomar ao amadurecer.

No momento, porém, só consigo pensar no que escreveu Schopenhauer: “Em presença de imbecis e loucos, há somente um caminho para mostrarmos nossa inteligência: não falar com eles.”

Tragédia ou farsa?

Comedia-e-Tragedia

Prólogo: Essa história envolve basicamente cinco personagens (Cássia, Neo, Simplício, Samuel e Perfídia), e apesar de ainda não estar terminada, decidi contá-la mesmo assim. Baseia-se em uma história real, mas obviamente os nomes são fictícios para proteger os envolvidos.

Cássia nasceu em 1985 e desde muito cedo despertou o interesse de Neo. Afinal, ela era jovem e muito bela. Não era perfeita, é claro, mas quem o é?

Neo, por outro lado, era bem mais velho. Um cara inteligente e arguto, porém inescrupuloso. Dono de uma fala mansa e uma retórica impecável, conseguia facilmente ludibriar seus interlocutores com seu discurso falacioso. Tanto que, mesmo sendo extremamente mesquinho, conservador e egoísta, era tido por muitos como um sujeito liberal. No entanto, sempre que sua mascara caía e todos percebiam quem realmente ele era, Neo precisava mudar de nome e de endereço por uns tempos, até a poeira baixar. Mas nem precisava se dar ao luxo de esperar muito tempo, pois sabia o quão curta é a memória das pessoas.

Durante toda a infância de Cássia, Neo rondou-a acintosamente. Sempre presentando-a com pequenos mimos, conseguiu aproximar-se dela, até que, finalmente, no início de sua adolescência, Cássia cedeu às investidas de Neo, e os dois começaram a namorar. O namoro até que durou bastante, mas dada a falta de caráter de Neo, não é preciso dizer que ele apenas a explorou e subjugou durante todo o período, buscando a todo custo sempre tirar proveito da situação.

Após oito anos de muito sofrimento (é claro que houve momentos de alegria, mas o saldo não era nada positivo para Cássia), a relação se esgarçou e em 2002 tornou-se insustentável. Nessa ocasião, Cássia pediu um tempo, pois precisava repensar a relação. No entanto, sem saber muito bem o que fazer e nem para onde ir, Cássia buscou apoio de Simplício, um velho amigo de sua família.

Simplício era uma pessoa de bom coração e dono de uma enorme propriedade de terras, lá pelas bandas da América do Sul. Ele acolheu Cássia carinhosamente (sem segundas intenções, diga-se de passagem) e ajudou-a a recuperar-se da relação traumática com Neo. Sob a proteção de Simplício, Cássia floresceu e tornou-se uma mulher forte e madura. Com o tempo, ela foi percebendo como sua relação com Neo tinha sido nociva, e gradativamente foi tentando esquecê-lo.

Neo, é claro, nunca se conformou com isso. Afinal, ele queria Cássia de volta. Durante todo o tempo em que ela esteve nas terras de Simplício, Neo tentou sem sucesso seduzí-la novamente. Felizmente, dessa vez não seriam simples promessas que a fariam esquecer de tudo o que se passara.

No entanto, tendo já se passado mais de 11 anos de constantes ofensivas infrutíferas, Neo decidiu pedir conselhos a seu Tio Samuel. Ele sabia que Sam, como o tio era conhecido na família, conhecia muito bem Simplício, uma vez que possuía interesses escusos em sua propriedade. Sam, melhor do que ninguém, sabia que aquelas terras escondiam enormes tesouros. Com a ajuda de jagunços, inclusive, ele chegou até a invadir a propriedade de Simplício no passado, mas decidiu sair depois de algum tempo (coincidentemente no ano que Cássia nasceu). Àquela altura, ele já havia percebido que seria mais conveniente e vantajoso apenas monitorar os passos de Simplício à distância.

Dessa vez, porém, Sam sabia que não dava para simplesmente mandar seus jagunços invadirem as terras de Simplício novamente, e tirar Cássia de lá a força. Os tempos eram outros, estávamos agora no ano de 2013. No entanto, astuto como uma raposa, ele elaborou um plano ardiloso. Disse a Neo que Simplício era bastante ingênuo, e que portanto não seria difícil convencê-lo que Cássia não era exatamente como ele pensava. A ideia era fazer Simplício acreditar que Cássia havia mentido esse tempo todo, e que seu verdadeiro intuito era, na verdade, apenas roubar o seu dinheiro e usurpar sua propriedade.

Empolgado com a ideia, Neo pôs imediatamente o plano em curso. Para fazer o serviço sujo, lembrou-se dos seus tempos de cafetão e resolveu contratar uma antiga e fiel ‘agenciada’. Perfídia, como era conhecida, era uma mulher de meia-idade que, mesmo não estando mais no seu auge, ainda tinha seus atrativos. Seguindo então as instruções de Neo e Sam, ela começou a tarefa de seduzir Simplício. Usando de todas as artimanhas aprendidas ao longo dos anos de profissão, rapidamente ela atingiu seu primeiro objetivo.

Assim, após uma noite tórrida de amor, ela confessou a Simplício que conhecera Cássia no passado, mas pediu segredo quanto a isso. Munida então de seu talento nato na arte do convencimento, Perfídia foi aos poucos contando a Simplício sobre (falsos) delitos e desvios no caráter de Cássia. No começo, foram apenas algumas intrigas. Mas ao longo do tempo foi gradativamente intensificando os ataques de calúnia e difamação. A credulidade ingênua de Simplício e a facilidade com que este comprava suas histórias a impressionavam. Finalmente, após três anos, ela, Neo e Sam vislumbraram a oportunidade de dar o tiro de misericórdia.

Assim, sabendo que Cássia estava viajando, Perfídia foi visitar o amante. Seu único objetivo, porém, era incriminar Cássia e fazer com que Simplício a expulsasse de sua casa. Ela e seus mentores estavam cientes que isso fragilizaria tanto Cássia quanto o próprio Simplício, tornando-os assim presas fáceis para Neo e Sam, respectivamente. Durante a visita, ela fingiu que iria ao banheiro, pegou alguns pertences de Simplício e escondeu-os no quarto de Cássia. Agora, era só esperar que Simplício se desse conta do sumiço.

E isso não demorou muito. Em um encontro posterior, Perfídia contou a Simplício que Cássia já a havia roubado no passado, e que na época ela escondera os artigos roubados em suas malas sobre armário. Tendo dado falta de alguns objetos e com a pulga atrás da orelha, Simplício foi imediatamente olhar no quarto de Cássia. Dito e feito: lá estavam todos os seus pertences que haviam desaparecido. As (falsas) evidências não deixavam mas nenhuma dúvida sobre o (falso) crime, nem sobre o (fictício) caráter vil de Cássia. “Aquele demônio ingrato”, pensou Simplício.

Tomado pela raiva e pelo ódio, Simplício não titubeou e expulsou Cássia aos gritos de sua casa:

– Saia dessa casa, seu demônio! Vá embora, Demo Cássia, e não volte nunca mais!

Epílogo: O que será de Cássia a partir de agora? Isso só o tempo dirá. Como eu disse no início, a história ainda não acabou. Temo, no entanto, que o futuro dela e também de Simplício não sejam muito promissores. Perfídia terá que ‘rebolar’ se quiser continuar na profissão. A concorrência aumentou muito e as novatas têm feito mais sucesso com os clientes. Neo e Sam, no entanto, já estão salivando com as novas possibilidades.

Obs.: Peço desculpas se alguns trocadilhos (Neo – o liberal, Tio Sam e Demo Cássia) foram por demais óbvios. Mas como a sagacidade nunca foi uma qualidade de Simplício, pensei que somente assim, quem sabe, ele entenderia a moral dessa história.

Em tempo: Aproveito para dedicar um samba de Cartola à sociedade brasileira:

Déjà vu

golpenao

Ao escritor norte-americano Stephen King é atribuída a frase que, ao meu ver, melhor reflete o dia de hoje: “Aqueles que não aprendem com o passado estão condenados a repeti-lo”.

Hoje, passados mais de 50 anos, sabe-se exatamente quais eram os interesses por trás das “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” em 1964… A 1ª marcha ocorreu em São Paulo no dia 19 de Março de 1964 e, menos de duas semanas depois, no dia 1º de Abril, aconteceu o golpe militar, que deu início a 21 anos de ditadura.

As semelhanças são gritantes:

  • O mesmo discurso moralista de combate a corrupção e o mesmo medo obscurantista do comunismo (hoje ampliado por um temor infundado ao bolivarianismo) foi o que levou as pessoas às ruas;
  • Carlos Lacerda, principal opositor ao governo progessista do Presidente João Goulart (Jango), está morto, mas bem que Aécio Neves vem tentando representar o papel desempenhado pelo ex-governador do antigo estado da Guanabara;
  • Temos até um instituto equivalente ao IPES, o qual era financiado pelo governo dos EUA e foi um dos principais articuladores do golpe: o Instituto Millenium (ver aqui).

Então, crianças, antes de saírem às ruas hoje (15/03/2015), lembrem-se que pregar impeachment, sem que haja bases legais para isso, é tentativa de golpe sim! E se não quiserem servir de massa de manobra para os golpistas, como aqueles que participaram das marchas de 64, então aproveitem o domingo para descansar, brincar com os filhos, tomar uma cerveja, ou qualquer outra coisa que não esteja vinculada a interesses escusos.

“Os sábios aprendem com os erros dos outros, os tolos com os próprios erros e os idiotas não aprendem nunca.” (Provérbio Chinês)

Dois pesos, duas medidas

providence

A essa altura do campeonato, acredito que a maioria das pessoas já tomaram conhecimento da ação movida pela cidade de Providence (EUA) contra a Petrobras. Como já era de se esperar, a mídia brasileira tem alardeado não somente este fato, mas também suas “possíveis” implicações, como por exemplo os “enormes prejuízos” que isso traria a empresa. Alguns veículos de comunicação chegaram até a ventilar que essa ação, em última instância, poderia eventualmente até inviabilizar a empresa.

Apesar de alguns juristas já terem manifestado que não há motivos para pânico (ver aqui), a imprensa brasileira parece não querer ouví-los. À mídia interessa apenas por mais lenha na foqueira, e ao mesmo tempo fragilizar a Petrobras e o governo, matando (literalmente) assim dois coelhos com uma cajadada só. Os interesses políticos (impeachment) e econômicos (privatização) são claros como o dia.

No entanto, o que me mais chama atenção é o fato da imprensa teimar em omitir que Bradesco, Itaú, Santander, entre outras instituições financeiras, também são réus na mesma ação (ver na imagem acima ou então na peça completa).

Por que será que ao mesmo tempo que anuncia o cataclismo da Petrobras, nossa mídia “imparcial” poupa a imagem de bancos como Bradesco e Itaú???

Bom, para responder esta pergunta, basta assistir aos dois vídeos (de pouco mais de 10 segundos cada) abaixo:

O buraco aqui é mais embaixo

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Procuro, na medida do possível, acompanhar a página do Opera Mundi, em especial o blog de Breno Altman, pois admiro a lucidez e a perspicácia de suas análises.

Em uma publicação de hoje, Breno pergunta: Por que Obama consegue impor uma estratégia de enfrentamento com o congresso norte-americano, enquanto Dilma parece optar por ceder às pressões conservadoras?

Bom, atrevo-me então a ensaiar uma resposta… Penso que a principal diferença entre as duas nações esteja na maturidade de suas instituições democráticas. Diferentemente da situação estadunidense, nossa história recente revela a extrema fragilidade da nossa democracia. Em pouco mais de cinquenta anos sofremos duas tentativas frustradas de golpe (1954 e 1961); um golpe de estado exitoso em 1964, o qual nos levou 21 anos de ditadura militar; e um impeachment em 1992. Vale ainda ressaltar que estes quatro eventos contaram com forte apoio da grande mídia e, pelo menos nas três primeiras situações, sob influência dos EUA.

Ouso ainda dizer que em 2005, quando eclodiu o escândalo que ficou conhecido como mensalão, não fosse a força do apoio popular com o qual contava o então presidente Lula, teríamos tido mais um caso de impedimento presidencial.

É importante também destacar o cenário latino-americano. A instabilidade democrática na região é marcante: o golpe militar em Honduras (2009), as tentativas de golpe na Venezuela (2002) e no Equador (2010), o impeachment de Fernando Lugo no Paraguai (2012), etc.

Neste contexto, eu me pergunto: Que garantia temos de que a ordem democrática prevalecerá no Brasil? Ao meu ver, nenhuma. Desde a confirmação do resultado das eleições, amplos setores da oposição e da grande mídia vêm insistentemente pregando a interrupção do mandato de Dilma. Há poucos dias, por exemplo, o vice presidente do PSDB, Alberto Goldman, voltou a defender abertamente o impeachment da Presidenta da República.

O cenário geopolítico atual também não é nem um pouco favorável. Levando em consideração a atual crise entre Rússia e EUA (ver aqui e aqui) e as disputas norte-americanas com a China no campo econômico, o viés pró BRICS da nossa política externa contraria os interesses de Washington. Além do fato, é claro, de nos últimos 12 anos o governo brasileiro ter demonstrado um pouco mais de compromisso com a defesa dos nossos recursos estratégicos, o que obviamente não tem agradado o Tio Sam. A história já nos mostrou que a Casa Branca não é muito complacente com governos que insistem em manter uma postura independente, ainda mais quando estes estão situados no seu próprio “quintal”.

Assim, como já escrevi aqui neste blog, a instabilidade política na qual nos encontramos tem forçado o governo a buscar uma sombrinha no guarda-sol da ortodoxia econômica.

Sinceramente, acho que seria muito difícil sustentar três frentes de batalha simultaneamente: uma no campo político, outra no campo da diplomacia e da política externa, e uma terceira na esfera econômica. Ainda mais se for levada em conta também a difícil tarefa de propor uma regulação da mídia.

Penso que uma possível estratégia, que permitiria ao governo agir com mais ousadia na economia, seria buscar fortalecer o apoio da base social, bem como os laços com demais setores progressistas. No entanto, em virtude da vasta gama de interesses envolvidos, isso não parece ser algo assim tão fácil assim de se conseguir.