Desordem e retrocesso

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Houve o tempo (2003-2011) que a nossa diplomacia alçou o Brasil ao papel de protagonista na política internacional.

Sob a batuta de Celso Amorim, o qual chegou a ser eleito pela revista Foreign Policy  o melhor ministro de relações exteriores e um dos maiores pensadores da atualidade, o país deixou pra trás os tempos de pura subserviência, e transformou-se em um global player. Para entender um pouco melhor o sucesso da política internacional conduzida por Amorim, sugiro a leitura do artigo publicado sobre ele na Foreign Policy: The world’s best foreign minister.

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Mas o que parecia ser apenas o início de uma espiral virtuosa, a qual viria a finalmente levar o Brasil ao seu destino de país do futuro, mostrou-se porém não ter fôlego suficiente para tanto.

Após um interlúdio que durou pouco mais cinco anos, no qual Antonio Patriota, Luiz Alberto Figueiredo e Mauro Vieira revezaram-se no comando, o Itamaraty não foi capaz de mostrar o mesmo brilho ou mesmo apresentar políticas bem definidas, compatíveis com a importância alcançada pelo país. Neste período, os sucessores de Amorim apenas surfaram a onda deixada por ele, colhendo sem muito sacrifício os frutos plantados pelo antecessor.

Mas eis que em maio de 2016 voltamos a ter um objetivo claro para nossas relações exteriores. Infelizmente. Ao assumir a chancelaria, José Serra deixou claro que faria o possível para colocar o país no seu devido e subserviente lugar.

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Com a sofisticação de um babuíno e a delicadeza de um mastodonte, Serra já chegou detonando as relações com nossos vizinhos sul-americanos, fechando as portas anteriormente abertas com a África, dando aulas de machismo no México, e principalmente, dando sinais claros de que o Brasil não está mais interessado na (até agora) vantajosa parceria com os demais países do BRICS.

Aliás, ele nem sabe o que é BRICS.

Mas, afinal, por que saber o que é BRICS? Nós não precisamos manter relações com Rússia, China, Índia e África do Sul, não é mesmo? Pra que? Com Serra no Itamaraty, voltamos a ocupar nosso lugar predestinado: o de quintal dos EUA e mero fornecedor de riquezas naturais para o Tio Sam.

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“Eli, Eli, lamá sabactâni?”

In dubio pro publicum

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A commedia dell’arte brasileira supera-se a cada dia. Lentamente, todas as personagens do famoso estilo italiano de teatro popular vão deixando cair suas máscaras e se revelando ao público.

Um dos primeiros a mostrar a face foi  o Brighella de Diamantino, sendo seguido, é claro, por Dottore JB, Il Capitano de Maringá, Pulcinella de BH (também conhecido como Il Procuratore Generale) e Scaramuccia (sobre este último, aliás, não se sabe ao certo se é realmente conterrâneo de Pulcinella, uma vez que sempre foi mais facilmente avistado nas baladas do RJ).

No entanto, é importante lembrar que a versão tupiniquim traz inovações. Aqui, o in dubio pro reo, um princípio fundamental que decorre da presunção da inocência, foi substituído pelo in dubio pro publicum. Ou seja, na interpretação brasileira, em casos de insuficiência de provas, o roteiro determina que se jogue pra plateia.

Foi assim no espetáculo comandado pelo Dottore JB, quando a Ministra Colombina sentenciou que não tinha prova cabal contra um certo Pierrot, mas que mesmo assim iria condená-lo porque a literatura jurídica assim permitia.

E ontem não poderia ter sido diferente. Ao declararem “não temos provas, mas temos convicção”, tanto Arlequim quanto os demais servos de Pantalone (*) deixaram mais do que claro e transparente o enredo do espetáculo burlesco que somos obrigados a assistir.

Pena que aqui no Brasil esse gênero teatral não tenha graça nenhuma…

(*) Pantalone é um dos vecchi da commedia dell’arte. Possui cavanhaque branco e só se preocupa com dinheiro. Quem descobrir quem é ele nessa versão ganha uma viagem pra Disney com direito a um selfie com o Pateta.

Obs.: Para uma descrição resumida das personagens da verdadeira commedia dell’arte, ver aqui.

Teoria do choque e do capitalismo de desastre

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Com seu estilo sóbrio e lúcido de escrever, Luis Nassif (Jornal GGN) tem, ao meu ver, se apresentado como um dos melhores analistas do cenário político/econômico atual. A série Xadrez, que vem sendo publicada regularmente desde o início da crise política brasileira, é um dos melhores instrumentos para ajudar na compreensão do que vem acontecendo atualmente no país. Um verdadeiro exemplo de bom jornalismo!

Dentro da série Xadrez, Nassif publicou ontem (12/09/2016) um dos melhores e mais esclarecedores artigos sobre a influência externa sobre o golpe (ver aqui).

Neste artigo, intitulado “Xadrez da teoria do choque e do capitalismo de desastre” e baseado na tese defendida pela jornalista canadense Naomi Klein em seu Livro “The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism“, ele sugere que a crise político-econômica brasileira constitui o cenário perfeito para a implementação do chamado capitalismo de desastre, proposto por Milton Friedman.

Neste contexto, a crise brasileira criaria uma janela de oportunidades ímpar para a implantação de medidas que permitam: o livre fluxo do capital, privatizações e desmonte das conquistas sociais. Ou seja, a crise seria o anestésico que manteria a sociedade num estado de “vivacidade interrompida”, permitindo assim a realização de um conjunto orquestrado de manobras extremanente nocivas ao país.

Porém, como todo anestésico tem seu tempo de duração, o capitalismo de desastre requer que as medidas sejam tomadas muito rapidamente (de seis a nove meses, segundo Friedman). No caso brasileiro, isso pode explicaria a velocidade espantosa com a qual os golpistas deram início aos ataques ao pré-sal, aos direitos trabalhistas, etc. Afinal, não há tempo a perder…

No entanto, especulo que estejamos apenas no primeiro momento do tal capitalismo de desatre, e que uma parte dois estaria já em gestação.

O efeito Cunha

Na madrugada de hoje (13/09/2016), consumou-se a cassação do deputado Eduardo Cunha. Acredita-se que seja apenas questão de tempo para que Moro o “convide” para ir a Curitiba, e que lá faça uma mega delação premiada, a qual envolveria deputados, senadores, ministros e até mesmo o próprio Temer.

Caso esse tsunâmi venha realmente a se concretizar, não seria esse sim o cenário perfeito para a implementação do receituário prescrito por Friedman???

Ou seja, essa devastação no cenário político não ajudaria a dar uma um fôlego extra para o capitalismo de desastre???

Acompanhemos atentos os próximos capítulos.

Feridas de guerra

Como todo mundo, sempre tive amigos idiotas. Para que fique bem claro, estou empregando a palavra idiota no seu sentido original, ou seja, alguém que só se preocupa com seu mundinho particular, e não se importa ou envolve com assuntos de ordem pública.

No entanto, apesar de considerá-los idiotas, isso nunca compromotera nossa amizade, pois julgava-os inofensivos. Ledo engano. Hoje vemos claramente como a combinação mídia + idiota = midiota pode ser explosiva e danosa para a democracia de um país.

Aliás, depois de tudo o que aconteceu (e ainda acontece) no Brasil, infelizmente não há mais a menor possibilidade de considerá-los amigos. Não há rancor. Sendo bastante sincero, não sinto ódio nem raiva, tão somente um desprezo profundo.

Apesar de idiotas, possuem é claro qualidades, as quais antes eu inclusive admirava. Hoje, no entanto, essas eventuais qualidades estão ofuscadas, por conta de uma mesquinhez social que se tornou latente. E para mim, sem admiração não há amizade sincera.

Talvez isso seja passageiro e o tempo ajude a curar as feridas. Talvez não, e isso na verdade tenha apenas servido para evidenciar os caminhos distintos que amigos de juventude podem tomar ao amadurecer.

No momento, porém, só consigo pensar no que escreveu Schopenhauer: “Em presença de imbecis e loucos, há somente um caminho para mostrarmos nossa inteligência: não falar com eles.”